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Tuesday, January 25, 2011

sorri

nega-me o pão, o ar
a luz, a primavera
o sol, o verão
a lua e as estrelas
mas nunca o teu sorriso
porque então
morreria

Monday, January 24, 2011

já a noite caiu. eu estou aqui sozinho
no carro, fechado
ninguém comigo
nada
por detrás das janelas, vazias
sonho
sonhos que existem em mim
para lá das janelas
o mar
ninguém comigo
nada
nem o bater das ondas
nem a espuma
nem a frescura da água
nem o calor do incêndio
nada
o mundo passa lá fora
o vento e a brisa
os peixes mortos e os vivos
os navios que partem e os que chegam
ouço lá fora
os gritos
as gargalhadas
confidências de amor do carro do lado
o canto dos passarinhos nocturnos
o ruído que passa
todos passam lá fora
e comigo
ninguém, nada
e os gritos de ódio
e a raiva que escorre pelos cantos da boca
seres vazios
homens vazios
que riem ou que choram
a beleza dos astros
todos lá fora
todos para além de mim
e para dentro de mim
e comigo
ninguém, nada
não tenho fome
nem frio
nem gozo nem vivo
sofro e amo
e estou preso
nesta prisão que criei
porque eu me prendi
porque me prenderam
porque não quero seguir caminhos já feitos
trilhos abertos
porque não quero ter compaixão
por quem não possa socorrer
porque não quero mais lutar
nas inconstâncias do ser
porque não quero a vossa luz
nem o vosso caminho
nem a luz
nem o caminho
NEM esquecer
prefiro a escuridão desta minha prisão
ficar fechado neste sonho
só quero sonhar
aqui
onde não chega o barulho do mar
e aqui
ninguém comigo, NADA
só a escuridão
e nada aqui entra
neste sonho em que me prendi

Wednesday, January 19, 2011

não te humilhes estendendo a mão à caridade alheia
passa,
passa altivo
mostrando com escárnio as tuas chagas

orgulho

orgulho-me de ti
no teu eu, porque te chamas assim
no teu eu, porque és assim
orgulho-me de ti
quando sorris
quando os teus olhos brilham
e o horizonte não tem fim
quando mordes os lábios
e o coração palpita
orgulho-me de ti
quando sonhas
quando caminhas
quando alcanças
orgulho-me de ti
no teu jeito de quem sabe o que quer
no teu jeito de quem passou sem se ver
orgulho-me de ti
pela forma como dás
pela forma como amas
pela forma como te revoltas
pela forma como recebes
orgulho-me de ti
por ti

Monday, January 17, 2011

terra dos sonhos

nesta noite queria partir
não sei para onde
a minha mão tímida procurou acabar
a carícia
de um carinho inacabado
e os meus olhos procuraram
para além dos teus
a ternura de que sentem falta
não sei para onde
sei que queria partir
para não sei onde
onde o querer é sonho
e o sonho é existir

Friday, January 7, 2011

A Noite na Ilha

“Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha. 
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, 
entre o fogo e a água. 
Talvez bem tarde nossos 
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
em baixo como raízes vermelhas que se tocam. 
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado 
e teus olhos buscavam o que agora - pão, 
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos, 
porque tu és a taça que só esperava 
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira, 
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos, 
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura. 
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca 
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida, 
e recebi teu beijo molhado pela aurora 
como se me chegasse do mar que nos rodeia.” 

Pablo Neruda